Uma das fórmulas de sucesso que utilizo para provocar a minha filha é exprimir a ideia de que os médicos hoje em dia são, salvo algumas honrosas excepções, uns sonsos. Senhor doutor não ando bem do estômago. Aconselho-o a evitar as francesinhas. Sôtor, e este incómodo na virilha? Muitas horas no selim, devia deixar a bicicleta. Mas posso jogar ténis? É melhor não… esse cotovelo já não vai para novo. O remédio proposto é sempre parar. Complemento a provocação elogiando os médicos de antigamente: esses sim, eram arrojados e proactivos. Faziam sangrias e lobotomias! A eficácia podia não ser a melhor mas pelo menos dava ao paciente aquela ilusão de que algo estava a ser feito para resolver o seu problema.
Quando o planeta é assolado por uma pandemia viral os médicos são chamados para dirigir as operações. Afinal são eles os especialistas. Resultado: instruções para ficarmos em casa, o tão comentado isolamento social. À primeira impressão até nem devia ser algo que me incomodasse muito. O meu filho costuma dizer, por detrás dum sorriso maroto, que ninguém deve estar tão bem preparado como eu para este confinamento. Afinal, diz ele, andei 50 anos a preparar-me para isto. Uma alusão às minhas débeis capacidades de convivência e ao prazer em passar horas isolado, embrenhado nos meus assuntos. Mas uma coisa é um tipo estar sozinho, sem ninguém que o incomode, outra é começar a ter a sensação que se está a tornar uma personagem daquele filme Equilibrium e que em qualquer altura nos pode entrar o Christian Bale pela porta adentro para nos punir por não termos tomado o comprimido da obediência às imposições dum qualquer grande irmão.
Às vezes duvido se me preocupa mais o vírus ou as consequências deste travar a fundo de toda a actividade. Parece que a doença, embora de forma errática, é grave e mata. Mas também este controle a que nos querem sujeitar não é grande vida. Se, como dizem, mais tarde ou mais cedo todos nós vamos ser contaminados então não seria melhor despachar já o assunto?… Não sou assim tão asno, já percebi que a doença pode necessitar de cuidados complexos que seriam insuficientes se ficássemos todos contaminados ao mesmo tempo. Mas não deixo de ter uma pontinha de inveja daqueles que já se curaram e que esperemos, pois ainda falta confirmar, tenham ficado imunes. Se assim for, já estão despachados.
Mas porque é que estou a escrever isto num espaço dedicado às bicicletas? Começo por dizer que era algo que queria evitar. Estou farto do tema e de ouvir opiniões e o seu contrário. Fujo das conversas e desligo os noticiários. Não queria ser mais um a dar palpites. Mas o tema é tão avassalador que se torna difícil fugir-lhe. E chega também às bicicletas, começando a haver um cisma entre aqueles que defendem o confinamento total e os que mantém a actividade pedalante no exterior.
Admito que sou um dos que tem continuado a sair para pedalar. Espero que esta confissão não seja válida como prova do meu crime. Não quero problemas com o Clérigo Preston. Faço-o porque não compreendo tanta restrição. Em que é que uma volta solitária ou mesmo acompanhado por outra pessoa, mantendo o tal afastamento necessário, pode comprometer esta luta? Tem razão de ser o argumento de que um acidente com necessidade de atendimento hospitalar é uma sobrecarga desnecessária para os serviços de saúde. Mas aí cabe-nos a nós ter cuidados redobrados e limitar manobras mais arriscadas. O risco continua a existir mas, que diabo, existem mil e uma formas de ter um acidente a fazer qualquer coisa em casa.
Também não aceito a alternativa dos rolos. Devo ter uns encostados ali num canto da garagem, portanto não é porque não tenha que não me agrada essa proposta. É porque não é a mesma coisa, não me venham cá tentar convencer do contrário. Aquilo pode satisfazer quem gosta apenas de dar aos pedais mas nunca poderá satisfazer quem gosta de andar de bicicleta.
Portanto, aos beatos do confinamento a 100%, aos senhores das frases feitas de auto ajuda e dos hashtags, peço que… não chateiem! Nós alinhamos de bom grado no fundamental que é o isolamento: vocês na vossa vida e nós na nossa. E se a nossa atitude estiver errada, por oposição à da manada, cá estaremos para arcar com a responsabilidade.
Olha! Voltou a escrever. Deve estar infectado…
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…O meu pensamento em relação aos rolos resume-se a isto:
-…Deve ser como fazer o amor…Com uma boneca insuflável…Apesar se se ter alguém com quem o fazer…
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