
Patrulha do carreiros

Atendendo às agrestes condições atmosféricas dos últimos dias, e às previsões de agravamento, não me surpreendeu o convite que o Daniel me enviou a meio da semana para irmos pedalar para a montanha. Acha o caro leitor estranha esta conjugação de ideias? Passo a explicar. É aquele fascínio pela neve de quem não está habituado à sua presença. Havendo a hipótese de que esteja para chegar, lá corre o pessoal ao seu encontro. Uma observação mais atenta das condições meteorológicas logo me levou a perceber que a possibilidade de encontrar tal fenómeno era remota. Mas havia sempre o motivo supremo: pedalar.
Antes das 9:00 combinadas já todos nos encontrávamos na aldeia da Boavista, na berma da N15, tentando preparar o corpo para enfrentar em cima da bicicleta aquela temperatura gélida.
Os primeiros kms levaram-nos a percorrer caminhos pelo vale da Campeã. Apesar de atordoado pelo frio, ia repartindo a atenção entre memórias de outras incursões pelos mesmos trilhos e discussões, por vezes profundas, sobre a natureza humana e as redes sociais. Não me tenho em grande conta quanto a ser um tipo popular mas, atendendo à quantidade de assuntos que o Jorge ansiava por discutir comigo, se calhar terei de rever em alta essa opinião.
Todos os temas se desvaneceram perante a concentração e esforço necessários para vencer a subida que se seguiu. Foram largos minutos de ascensão onde cada qual se empenhou apenas no desafio que tinha pela frente. Por vezes penso se não seria essa a solução para todos os males do mundo, um valente empeno global. Ou isso ou sexo desvairado…
Lá no alto encontrámos os conhecidos estradões das eólicas que tantas vezes nos tinham resgatado das entranhas do Alvão, na fase final de passeios épicos. Mas neste dia para o Alvão não avançaríamos mais. Em vez disso iríamos procurar outros caminhos que nos levariam à Sra de La Salette, em Vila Cova.
Um antigo complexo mineiro, mesmo ao lado da capela, deixou-nos curiosos e fomos investigar. Por sorte ou coincidência encontrámos um conhecedor do local que, qual guia turístico, dispôs do seu tempo para nos elucidar um pouco sobre a história daquelas minas de ferro, entretanto desactivadas.
Terminada a visita seguimos então por caminhos rurais até ao alto do Velão. Mesmo com uns improvisos na navegação e um furo pelo meio, conseguimos avançar com fluidez. O gelo que frequentemente estalava debaixo das rodas é que não parecia incomodar a senhora que no tanque da aldeia lavava com mãos nuas a roupa da semana.
Por esta altura já tínhamos percorrido metade do percurso estimado e a hora ainda não era tardia. Meti um pouco de “veneno” sugerindo um desvio para as bandas de Campanhó, só para apimentar as coisas. A sugestão não pegou e continuámos no trilho previsto, a caminho do alto de Espinho. Recordações de há 10 ou 15 anos atrás acompanhavam-me ao longo da ligeira subida.
Passámos a N15 para o outro lado e fomos percorrer um pouco da encosta do Marão. Uns seguiam na cavaqueira, outros entretidos a apreciar a paisagem. Esta parte do percurso enchia-me os olhos, com as grandes coníferas a dominarem. O GPS indicava que por baixo de nós estava o famoso túnel. Ao longe uma corsa esquiva desaparecia por entre a vegetação. Seria a mesma de há 7 anos atrás, num dia também muito frio na companhia do Major?
Voltámos a descer e a cruzar a N15 em direcção ao vale da Campeã. Mais uma surpresa: o vale é percorrido por um alegre ribeiro (cujo nome ainda não consegui descobrir) envolto na mesma vegetação luxuriante que abunda por aquelas bandas.
Esta segunda parte do percurso estava a surpreender. Felizmente que o tal desvio por Campanhó não tinha ido avante, permitindo-nos aproveitar para apreciar com tempo estes caminhos. É que, com o aproximar da tarde, o vento fazia a sua aparição e uma baixa de temperatura desagradável invadia-nos as extremidades do corpo.
Aquele incentivo gelado fez-nos regressar de bom grado ao ponto de partida. Depois de alguma indecência em trajos menores na berma da N15 recolhemos ao conforto das viaturas só voltando a parar à entrada de Amarante para recuperar o estômago na Tasca do João.
Um percurso desenhado há meses e guardado na gaveta foi o pretexto para o convite lançado. Só o nosso “Major” anuiu. Objectivo: percorrer a ecovia que vai de Arcos de Valdevez até Sistelo e de seguida escalar a Peneda para percorrer os habituais trilhos que apreciamos. Havia ainda a hipótese duma visita à Lagoa da Peneda, que tanta curiosidade me suscita.
O percurso pela ecovia superou as expectativas. Sempre com a companhia do límpido Rio Vez e com um traçado realmente digno de ser percorrido de BTT. Achei até algumas semelhanças com a famosa Geira Romana de Terras do Bouro.
Iniciámos depois a subida da serra. O avistar dos bosques de coníferas deu-me de imediato aquela sensação de prazer. Oposta à sensação de dor por ter de transpor à mão algumas secções mais complicadas.
O passar do tempo é implacável e as nossas conversas acabam por descambar para reflexões filosóficas sobre as consequências do envelhecimento. É um facto que estamos uns anos mais velhos e isso reflete-se (e não é pouco!) no corpo mas também na atitude. E talvez por isso fomos parando amiúde, com naturalidade, para apreciar a paisagem , retemperar as forças e dar mais dois dedos de conversa.
“Ai que prazer. Não cumprir um dever, ter um livro para ler. E não o fazer!” – assim afirmava o poeta dos heterónimos. Também o meu parceiro tem diversos heterónimos e também ele a certa altura do dia fazia o elogio da preguiça. Preguiça essa que nos levou a abdicar da visita à lagoa. “Provavelmente nem tem água, como aquelas do Gerês no ano passado.”, justificámo-nos. Afinal parece que tem água o ano todo, segundo a indígena do café. Ai que prazer, ter uma subida pela frente e não a fazer.
Da da Branda das Bosgalinhas é que não nos livrámos. Como se não bastasse, troquei um zig por um zag e fizemos a versão hardcore.
O planalto da Peneda, se assim lhe podemos chamar, trouxe-me grandes memórias de 2004, quando conheci o meu actual companheiro de jornada. Quem diria que dois tipos que até nem atinavam muito ainda por ali andariam treze anos depois.
Estes são a minha serra e trilhos favoritos. Durante algum tempo larguei o meu parceiro e deliciei-me de forma egoísta com aquele granito que me fazia abanar os ossos. Os mesmos que, há meses atrás, depois do acidente, julguei nunca mais atrever a sujeitar a este tipo de tareia.
A descida durou o que devia significar que estivemos num ponto alto, o que devia justificar o porquê de já estarmos cansados.
Chegámos ao ponto de partida e, como de costume, arrumámos as coisas e cada qual foi à sua vida. Apenas um “Até à próxima.”
Nota: fotos e vídeo: