Igrejas de Terras do Bouro

Finalmente uma trégua meteorológica para desfrutar do plano que aguardava há já algumas semanas na gaveta: fotografar as 19 igrejas paroquiais do arciprestado de Terras de Bouro. Nenhum motivo religioso me move, no entanto parece-me excelente o pretexto de visitar igrejas para desenhar um percurso de bicicleta, ideia que uma vez resolvi copiar do Joel Braga (mérito a quem o merece). Ficamos a conhecer muitos locais e muitas estradas que normalmente ficariam fora das escolhas habituais. Além disso, salvo algumas excepções, as igrejas costumam ser edifícios interessantes para fotografar. A primeira experiência tinha sido em Santo Tirso, de BTT, e a segunda tinha sido em Cabeceiras, de roda fina. Recordava agora ambas como boas experiências que queria tornar a repetir.

Ao estudar os mapas para preparar este projecto, e à medida que ia desenhando o percurso, comecei a verificar que, além da dificuldade derivada da orografia do terreno, também iria haver um interessante desafio psicológico provocado por diversas mudanças de sentido no percurso, com regressos ao mesmo ponto, ou lá perto, quando seria mais fácil continuar em frente. Mas não precisava de enfrentar sozinho essas dificuldades. O Tico ia acompanhar-me e a ele pouco interessam as dificuldades, nem as quer saber de antemão. Pergunta apenas a hora de partir e segue o caminho que lhe indicarem.

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Rio Caldo (São João Baptista)

O local de partida escolhido foram as pontes sobre a albufeira da Caniçada. Pouco mais de um quilómetro tínhamos pedalado e já se parava para a primeira foto na igreja de Rio Caldo. Daí seguimos para a próxima, Valdozende, onde chegámos com relativa facilidade apesar daquele desconforto matinal provocado pelos músculos ainda frios. Característica distintiva dessa igreja é o enorme sino que se encontra no átrio. Piadas brejeiras surgiram devido ao tamanho do seu badalo.

Tivemos logo depois oportunidade de realizar a boa acção do dia. Uma tripulação da Cruz Vermelha tentava, em vão, retirar a sua ambulância da posição em que se encontrava, entalada numa curva de desnível acentuado, sem ângulo para avançar e sem tracção para recuar. Resolvemos ajudar, com instruções para o motorista e com a colocação de pedras para calçar as rodas. Depois de algum esforço lá saiu daquela posição e pode continuar o seu caminho.

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Santa Isabel do Monte (Santa Isabel)

Quanto a nós, aguardava-nos a primeira dificuldade do dia, a subida a Sta Isabel do Monte. Uns dias antes, ao estudar o percurso, ocorrera-me classificar aquela que seria a dificuldade esperada para chegar a cada uma das igrejas e esta estava classificada como vermelha. Já conhecia a subida mas das outras vezes sempre com mais quilómetros acumulados nas pernas. Talvez por isso desta vez me tenha parecido bastante mais fácil, ainda que a inclinação do troço final nos faça sempre lutar com os pedais.

Mais uma igreja. Enquanto eu me entretia a procurar o melhor enquadramento para as fotos o Tico cumpria aquilo que se confirmou como um ritual para o dia: contornar vagarosamente o edifício a pedalar. Quando nos preparávamos para seguir caminho uma manada de vacas apareceu, numa fila quase perfeita, talvez em direcção ao estábulo. Encostámo-nos às bicicletas e ficámos ali uns minutos a apreciar a sua pachorrice e a divagar sobre o valor da vida sem preocupações.

Depois duma inclinada descida, que me fez recordar que necessito verificar os calços dos travões, chegámos à quarta igreja do dia, Chorense. Aquela hora as nuvens deixavam passar o sol que iluminava toda a encosta e era reflectido nas paredes brancas do edifício. Boas condições para fotografar, saiba o fotógrafo aproveitá-las.

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Chorense (Santa Marinha)

Encontrava-me no átrio, uns metros acima do nível da estrada onde alguns ciclistas seguiam arfando encosta acima. Pareceu-me reconhecer um deles e por isso fiz um teste: “Brasa!”, gritei. Ele olhou, disse qualquer coisa e seguiu. Esbocei um sorriso. Na verdade não tínhamos nada para falar e aquele era o Brasa que sempre conheci, obcecado em pregar o vizinho da rua em qualquer segmento do Strava. Claro que nunca pararia a meio duma subida

As igrejas que se seguiram, Balança, Ribeira e Souto, não tiveram grande história. Percurso essencialmente descendente por estradas tranquilas. O arvoredo deve torná-las agradáveis em dias de verão mas naquela altura o que desejávamos era alguma subida da temperatura. Foi também no bar da paróquia da Ribeira de São Mateus que fizemos a primeira pausa para reabastecer.

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Ribeira (São Mateus)

A descida terminou finalmente na N205, no vale do Rio Homem, que atravessámos pela primeira vez no dia. Por mais três vezes o iríamos fazer. Havia que visitar as igrejas de Valbom e Valdreu antes de visitar finalmente a de Moimenta-Covas, que é esse o nome da igreja paroquial que fica no centro da vila de Terras do Bouro. Também é essa a mais moderna, com uma arquitectura que, não sendo entendido, me pareceu das últimas décadas do séc. XX e, para mim, pouco interessante.

Seguiu-se o início do teste à determinação em cumprir o plano. Para visitar as igrejas seguintes, Vilar e Chamoim, era necessário subir alguns quilómetros da N307 para depois voltar para trás e seguir outro sentido. Optámos por visitar primeiro Chamoim, alterando a ordem inicialmente prevista. Na brincadeira disse ao Tico que aquela ia fotografar de longe, pois construiram-na no final duma inclinada descida de empedrado que nos deu trabalho durante alguns minutos para escalar de volta à estrada principal.

Voltámos para trás, descendo de novo em direcção a Terras de Bouro. Rápida paragem em Vilar para registar mais um objectivo e, um pouco mais a baixo, viragem à direita para mais uma travessia do Homem. Demorámo-nos um pouco a apreciar o rio e as pontes, tirando mais umas fotos. Ao lado um pescador preparava o equipamento. Aquele hobby a que eu e o Tico tanto ansiamos dedicar-nos… quando estamos empenados.

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Vilar (Santa Marinha)

Começava agora o terreno verdadeiramente acidentado. Primeiro a subida a Gondoriz, com inclinações razoáveis, sabendo que de seguida se volta para trás, descendo parte do que se subiu. Depois uma subida mais longa até Brufe, com paragem em Cibões. No final pareceu-me que o Tico acelerou um pouco o ritmo e comecei a não seguir muito confortável, com as costas a doer e a respiração mais ofegante que o desejável. É talvez a única queixa que tenho dele, o controlo do ritmo: ou se deixa “adormecer” e fica para trás parecendo esquecido de que temos um trajecto para cumprir, o que consegue ser por vezes bastante irritante, ou depois lembra-se e vai por ali fora, deixando um tipo sem ar.

Foi com agrado que vi Brufe aparecer a seguir a uma curva pois durante os próximos quilómetros poderíamos recuperar forças. A descida para a barragem de Vilarinho das Furnas proporciona vistas impressionantes mas o frio que se fazia sentir abafou um pouco essa magia.

Parámos no Campo do Gerês para o segundo reabastecimento do dia antes de visitarmos a respectiva igreja. O Tico tinha-se esquecido do dinheiro dele, o meu também não era muito, e por isso tivemos de contabilizar bem os trocos disponíveis para não ter de ficar a lavar pratos.

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Carvalheira (São Paio)

Seguiu-se a Carvalheira, talvez a visita que me despertava mais curiosidade pois nunca tinha percorrido aquela crista. A ida presta-se a algumas vistas fantásticas. Já no após seguiu-se uma descida, que no sentido oposto deve dar um belo desafio, e que só terminou na travessia da Ribeira de Rodas, junto às Águas do Fastio.

Chegámos de novo à N307. A curta distância avistávamos a igreja de Chamoim onde tínhamos estado há umas horas atrás. Mas o próximo objectivo era subir até Covide. Já dentro da aldeia acabámos por ser surpreendidos por uma espécie de “Koppenberg” que nos largou ofegantes junto ao local para mais um registo, o penúltimo.

Faltava apenas Vilar da Veiga, a ligação mais longa, 19 quilómetros. Situada numa cota baixa, já na descida para o ponto de partida. O trajecto obrigava no entanto a subir, fazendo a travessia pelo cabeço da Calcedónia. É no entanto um caminho já bem nosso conhecido pelo que se percorreu com relativa facilidade.

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Vilar da Veiga (Sto António)

Estávamos finalmente de regresso ao ponto inicial. O percurso não foi muito longo, para bicicleta de estrada, mas o acumulado de subida foi apreciável. Cheguei com dores nas costas, no rabo e no corpo em geral mas com o objectivo cumprido e já com ideias para outros objectivos.

Fotos das 19 igrejas de Terras do Bouro

Igrejas de Terras do Bouro

Um café e um jornal

Sempre a mesma coisa, ainda mal saíra de casa e já punha em causa o que estaria a fazer ali. O frio da manhã não era confortável e as pernas não se queriam mexer. Arrancara já depois da hora ideal. Não que tivesse saído da cama demasiado tarde, o problema era o tempo que os “sistemas” demoravam a iniciar. Tudo parecia turvo, difuso e feito de forma atabalhoada. Acabara por sair para a rua com um pequeno-almoço fugaz. Já depois de fechar a porta e sem forma de entrar em casa sem acordar alguém, pois a chave ficara lá dentro, é que se apercebeu que não levava nada para repor energias ao longo da manhã. E que se calhar teria sido melhor ingerir alguma cafeína para despertar. Que se lixe, levava uns trocos no bolso, logo se veria.

Mas era um optimista. Já andava naquilo há tempo suficiente para saber que as primeiras sensações normalmente não são as que prevalecem. Às vezes arrancava cheio de ganas e regressava de rastos. Outras vezes era o contrário, podia ser aquele fosse um desses dias. Por isso tratou de controlar o ritmo e aguardar pacientemente que as boas sensações despontassem.

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Rio Bugio, Burgueiros, Fafe
Desta vez lançara alguns convites mas, de certa forma, já se arrependera. Negados ou simplesmente ignorados. Mas ainda bem que o vício era a bicicleta, imagine-se se fosse, por exemplo, o ténis, a desilusão que ia ser cada vez que não arranjasse parceiro. A bicicleta tinha esta característica maravilhosa de se puder desfrutar dela de forma egoísta, sem depender de ninguém.

Agora já pedalava por encostas mais soalheiras. Aqui e ali cruzava-se com um ou outro ciclista que lhe parecia sempre demasiado enfarpelado para a temperatura que se fazia sentir. Um carro fez-lhe uma tangente desnecessária que quase o atirou para a valeta. Logo a ele, que se gabava de até nem ter grande razão de queixa dos enlatados. Perseguiu-o, enquanto pode, estrada abaixo, brandindo o punho e soltando insultos, mais chateado por ter sido perturbado na sua meditação que propriamente pelo risco de ser projectado de cima da montada.

Um café na berma da estrada resolveu-lhe o problema do reforço. Sentou-se na esplanada com uma bica e um bolo à frente. Como dizia a canção da ex-namorada do ex-campeão, “soak up the sun”. Demorou-se por ali a ler uma entrevista que lhe chamou a atenção num qualquer jornal.

Gostava daqueles períodos de introspecção que a bicicleta lhe proporcionava. Ia olhando a paisagem à volta, sonhando com um dia em que iria viver para o interior, para a serra, e poder passar dias sem avistar vivalma ou ter de falar com alguém que não, eventualmente, a mulher, se porventura o acompanhasse. Por agora era em cima da bicicleta que conseguia estar mais próximo dessa realização. A leitura recente fazia-o pensar em George Hayduke. Gostaria ele de andar de bicicleta? E deixaria latas de cerveja vazias pela berma? Devia ser uma boa companhia. Pelo menos devia ser de poucas palavras e não haveria o risco de ir por aí aos berros e a dizer bacoradas.

Tal como tinha planeado no GPS, deixou-se perder nas estradas menos evidentes daqueles montes. Tinha planeado tirar algumas fotos do percurso mas não se sentia confiante nas suas capacidades para transpor para o sensor a beleza do que os seus olhos abrangiam. Uma tabuleta desviou a sua atenção do percurso planeado e deu consigo sobranceiro a um bucólico ribeiro. O alcatrão acabava ali e um caminho descia para o vale, afastando-se ao longo deste. Resolveu arriscar meter os pneus finos à terra e deu por si a atravessar o curso de água numa pequena ponte de pedra. Teria de ser ali que iria fazer o registo que daqui por uns anos lhe reavivaria as boas memórias daquele dia.

Apesar da inclinação e da ausência de pavimento não teve grande dificuldade em atingir a aldeia mais próxima onde voltou a encontrar pavimento. Reconheceu o sítio. Já ali tinha passado há muitos anos, quase de certeza na mesma altura do ano pois também, tal como agora, se recordava do agradável cheiro do fumo das queimadas para limpeza da mata.

Resolveu encetar o regresso que o levou por estradas em tempos bastante frequentadas por mulheres que não estavam ali para passear. Restavam duas. Nem sequer tinha restado aquela que durante anos cumprimentava os ciclistas em esforço e até emprestava a raça a um segmento do Strava. Sinais dos tempos, talvez, duma época em que tudo se quer politicamente correcto. Voltou a pensar em George Hayduke, cuspiu para o lado e carregou nos pedais de regresso a casa.

 

Um café e um jornal

A longa marcha da cama até à garagem

Quando era pequeno julgava que era característica dos adultos conseguirem levantar-se cedo. Até há alguns anos atrás estava convencido que o avançar da idade me traria esse super-poder. A minha esperança tem-se gorado. Levantar pela manhã é sempre um sofrimento atroz. Ter-me-ei portado mal numa outra vida e agora estarei no inferno condenado para todo o sempre a esta tortura diária que é sair da cama? O problema é mesmo deitar-me tarde sistematicamente. Talvez se o dia tivesse mais horas o problema não se colocasse: poderia passar muitas horas acordado, dormir outras 10 e ainda ter algum tempo livre para calmamente despertar o corpo pela manhã. Encélado, uma das luas de Saturno, devia ser um bom sítio para viver…

Talvez tenham sido aqueles os pensamentos que me ocorreram no Sábado pela manhã. O entusiasmo do dia anterior tinha-se diluído na preguiça mas lá prevaleceu o espírito de missão e quem cruzou na estrada talvez se tenha apercebido do ciclista encolhido pelo frio gélido de Novembro. O vestuário era escasso, quase estival, nem luvas havia. O objectivo era não ser abafado com o calor durante o avançar do dia mas aquele início de manhã fazia ponderar o acerto da decisão.

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O percurso inicial foi o do costume: Taipas, Póvoa de Lanhoso, Gerês… Depois a sossegada subida para a Portela de Leonte. Como esperado, a natureza brindava os olhos com uma orgia de cores e luz. Infelizmente a gama dinâmica da pequena máquina fotográfica e a habilidade do fotógrafo não eram suficientes para capturar uma fracção dessa beleza.

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Passada a Portela do Homem o sossego continuava. Pretendia-se regressar a Portugal pela fronteira do Lindoso mas desta vez o caminho escolhido não seriam as estradas principais que convergem em Lobios. Uma pesquisa nos mapas mostrara uma alternativa mais pitoresca. Tão pitoresca que por vezes era necessário olhar melhor para distinguir a estrada do acesso a um qualquer quintal. Numa viela com o chão pejado de ouriços da castanha uma tabuleta num casebre anunciava a “Adega do Bogas”. Cá fora uma pipa vazia. A construção era velha mas a porta era sólida. A fechadura parecia nova o que me levou a conjecturar sobre que tesouros guardaria.

Reconheci uma estrada. Há muitos anos havia passado ali com o Major numa qualquer incursão de BTT. Já não me lembro se éramos só os dois ou se ia mais alguém mas recordo uma sensação de grande empeno… A beleza da paisagem devia-se à calma presente naquele sopé da serra Amarela. Árvores por ali havia poucas, tirando alguns pinhais logo no início que tinham sido castigados pelo fogo. Nas aldeias não se via vivalma, apesar de não parecerem abandonadas, longe disso, o que me deixou curioso quanto aos motivos.

De volta à estrada nacional os kms passaram num ápice. Cruzada novamente a fronteira, uma pausa em Paradamonte para reabastecer para o regresso. Não queria ir por Germil mas também não me apetecia fazer a monótona subida de Ponte da Barca para a Portela de Vade. A opção acabou por recair em Barral e Azias até Aboim da Nóbrega. Daí descer então para a Portela de Vade e rolar até casa.

Pedalando sozinho tinha conseguido moderar o ritmo ao longo do dia o que fez com que chegasse a casa apenas saturado das horas em cima do selim mas menos cansado do que já tem acontecido em saídas muito mais curtas.

 

A longa marcha da cama até à garagem